Estela e Plínio estão em casa, aguardam uma visita ilustre para o jantar. Estela, na cozinha, separa os ingredientes e leva as panelas ao fogo. Plínio, na sala, assiste à um programa adolescente daqueles que qualquer adulto torce o nariz, esquecendo que um dia também foi jovem.
– Plínio! Você pode me dar uma ajuda aqui na cozinha? – gritou Estela.
– Só um minuto mãe. Já vai dar o intervalo, - gritou Plínio de volta, sem desgrudar os olhos da TV.
– Anda logo menino! O Dr. Amaro vai chegar às sete e ainda tenho que me arrumar.
Plínio foi até a porta da cozinha.
– Pô mãe! Que saco! Você já me fez ficar em casa hoje... logo hoje que a galera ta indo até a pista.
– Você sabe que há muito tempo quero que você conheça o Dr. Amaro e ia ser difícil conseguir outra oportunidade destas.
– Já tô até vendo. Esse cara deve ser um daqueles chatos lá daquele troço espírita que você frequenta. Vai querer me converter... você sabe que não acredito nestas coisas. Sou muito racional.
– Ninguém vai querer te converter filho. Deixa de ser espezinhento. O Dr. Amaro é um homem muito inteligente. Tenho certeza que você vai gostar de conversar com ele.
– Duvido. Mas fazê ô quê, né? Tu que manda na parada mesmo.
– Bom, pelo menos isso você respeita.
– Mãe, por mais que você acredite e fale nisso o tempo todo, esse negócio de vidas passadas, reencarnação e até mesmo esse papo que existe um Deus sobre todas as coisas, é muito errado. Ta na cara que os manda-chuva ficam inventando isso prá controlar as massas.
– Nossa! Ta ficando eloqüente! Embora eu não entenda metade das palavras e expressões que você usa.
– Deixa de gozação mãe. Tô falando sério.
– Você sabe muito bem que eu não discuto mais este assunto com você. Se algum dia você quiser acreditar em alguma coisa, muito bem, se não, deixa que a vida vai te ensinar.
– Taí. Tudo cortadinho. Posso voltar prá ver meu programa? – Disse Plínio, largando a faca sobre a pia.
– Vai Plínio, vai!
Quase uma hora depois, Plínio ainda está sentado em frente à televisão. Quando Estela entra na sala, já vestida para receber o Dr. Amaro, ele levanta de repente.
– Aí mãe, hein! Essa roupa ta irada! Acho que você ta amarradona nesse Doutor.
– Mais respeito garoto. O Dr. Amaro é um grande amigo, nada mais que isso.
Toca a campainha e Estela vai atender a porta. Dr. Amaro entra.
– Seja bem vindo, Dr. Amaro. Saiba que é um imenso prazer recebê-lo em minha casa, - disse Estela, segurando a mão de Amaro por alguns instantes.
– O prazer é meu Estela. Eu só peço desculpas por ter demorado tanto a aceitar seu convite.
– O senhor, mais do que ninguém, sabe que devemos ter paciência e esperar o momento certo para que as coisas aconteçam.
– É verdade.... Hora! Este deve ser o Plínio, o rapaz mais comentado em nossas reuniões. Muito prazer, Plínio, fico feliz em poder conhecê-lo pessoalmente.
– O prazer é meu, - disse Plínio, aceitando o aperto de mão de Amaro.
– O jantar de hoje é especial e para ficar bom tem que ir ao fogo na hora, portanto... Plínio sirva alguma coisa para o Dr. Amaro que eu vou para a cozinha, volto daqui há alguns minutos.
Assim que Estela sai, Plínio sorri e vai até o pequeno bar no canto da sala.
– E então doutor? O que o senhor vai querer?
– Por enquanto nada Plínio, obrigado. Na verdade estou mesmo interessado em saber um pouco mais de você.
Ele retorna para o sofá e fica de frente para Amaro.
– Olha doutor, vou ser muito sincero com o senhor. Se o senhor veio aqui tentar me convencer a frequentar as reuniões de vocês, pode esquecer. Eu já falei prá minha mãe que não acredito em Deus e em espíritos. Tudo que eu acredito é o que eu posso ver e tocar. Só acredito se tiver uma explicação racional.
– Plínio, eu só vim aqui porque sua mãe me convidou para um jantar, nada mais do que isso. A única coisa que eu gostaria era poder conversar um pouco com você, conhecê-lo melhor, pois este é um hobby meu. Adoro conhecer pessoas novas todos os dias e aprender um pouco sobre elas.
– Desculpe. Eu não queria ofendê-lo, - disse Plínio, passando a mão na cabeça.
– De forma alguma, vamos esquecer isso. Me conte, você está estudando?
– Sim. Estou no segundo ano do ensino médio.
– Acho que isso é equivalente ao segundo científico ou segundo ano do segundo grau, da minha época, correto?
– É. Acho que é isso aí.
– E entre as matérias que você vem estudando ultimamente, qual você acha mais interessante?
Ele ajeitou-se na cadeira. Até que o tal do Dr. Amaro parecia ser gente boa, pensou.
– Ciências. Principalmente física... acho fantástico. Adoro saber como as coisas foram criadas, sabe... toda a engenharia que está por trás de máquinas equipamentos, construções e tudo mais.
– Que bom. Sua mãe lhe contou que eu sou biólogo?
Os olhos de Plínio brilharam.
– Não! É mesmo! Puxa até o ano passado era uma das minhas opções para o vestibular, agora estou em dúvida entre Engenharia Mecânica ou Elétrica.
– É realmente uma área fascinante, pode ter certeza que entendo seu entusiasmo. Mas você também gosta de biologia?
– Prá ser sincero, não muito. Acho que ainda tem muita teoria e muita coisa que não sabem explicar direito.
– Isso é verdade. Existem coisas nas ciências médicas e biológicas realmente fantásticas. Muitas delas têm relacionamento com a engenharia, - disse Amaro, ajeitando a gola da camisa branca, impecavelmente passada.
– É mesmo? Como o quê, por exemplo?
– Pense no olho humano. Do ponto de vista da engenharia é uma máquina perfeita. É capaz de adaptar-se rapidamente a qualquer luminosidade, passa informações precisas ao cérebro para que este seja capaz de gerar imagens nítidas e coloridas, tem um sistema próprio de limpeza e lubrificação, além de durar décadas, muitas vezes sem precisar de qualquer tipo de manutenção.
– É verdade. Eu nunca tinha visto por este ângulo.
– E tem muito mais. Se você observar a natureza com cuidado, vai ver que está repleta de exemplos de equipamentos biológicos fantásticos. E o nosso sistema solar então? Ah! Esse é uma obra prima! Você sabia que se a lua não estivesse exatamente no lugar onde está, a vida na terra não seria possível? E tudo foi milimetricamente planejado: a posição do Sol, a espessura de nossa atmosfera, a temperatura do núcleo da terra...
– Peraí! O senhor ta querendo dizer que alguém planejou essas coisas?
– E você acha que tudo isso é assim por acaso?
Plínio fica um tempo pensativo e finalmente responde.
– Saquei! O senhor veio com esse papo só pra me provar que Deus existe.
– Eu não preciso provar nada prá você, os fatos falam por si.
Estela entra na sala carregando uma bandeja.
– O jantar está servido! Todos para a mesa.
Todos seguem para a mesa em silêncio.
– O que foi Plínio? Parece que viu um fantasma, - disse Estela.
– Vi fantasma nada, mãe... Eu vi Deus.